Subject: Trecho editorial Correio do Povo.
INDÚSTRIA DA MULTA
 
  Não sei dirigir. Nem pretendo aprender. Sou a favor dos transporte  coletivos, inclusive carona. Minha posição sobre o assunto, portanto, é  desapaixonada. Não passo os domingos alisando capô de carro. Sou, com  certeza, o palestrante adequado para falar de trânsito. Certamente por  isso fui convidado pelo meu conterrâneo major Maciel para uma palestra  aos policiais rodoviários da Brigada Militar. A minha posição: não  existe a tal indústria da multa. É preciso multar muito mais. O  motorista é, em princípio, um ser selvagem que só entende a linguagem do  chicote que é o bolso. Todo dia vejo, ao menos, uma dúzia de infrações  de trânsito. Motoristas de táxis, lotação e ônibus falam em celular  enquanto dirigem. É a norma. Impossível uma corrida sem uma ligação  durando de cinco a 15 minutos. Tem cara que discute a relação enquanto  me transporta. Motoristas de carros particulares são ainda piores.
 
  Peguei um táxi para ir ao centro de Porto Alegre. O celular do  motorista tocou. Ele atendeu. Falando calmamente avançou para cima de  uma senhora, na faixa de segurança, que se assustou. Um azulzinho lascou  a multa. O motorista exasperou-se: "O senhor é testemunha das  barbaridades que eles fazem". O azulzinho é a maior vítima do motorista  infrator. A classe média adora leis que punam os outros. O problema das  multas de trânsito é que a atingem. Toda santa noite encontro alguém que  bebe e dirige. Na maioria dos motoristas habita um infrator  incorrigível. Essa história da indústria da multa é uma racionalização  inventada para desqualificar os agentes encarregados de domar essa horda  de insanos motorizados.
 
 Assim como o governo vai pagar prêmio  para os fiscais da Fazenda que pegarem sonegadores, essa praga tão  expressiva quanto a dos infratores de trânsito, deve-se premiar também  quem multar mais. Tem a conversa mole do infrator que reclama ajuda ou  lições de agente: "Em vez de ajudar e de ensinar, eles multam".  Papo-furado. Quem tem carteira está obrigado a conhecer as regras.  Existem distorções? Aparecem multas para infrações não cometidas? Claro.  Mas isso é estatisticamente insignificante. Agente salafrário deve ser  punido. Quer-se aumentar a arrecadação com multas? Ótimo. Quem não  quiser ser multado tem uma só coisa a fazer: não cometer infrações.  Todas as pessoas que reclamam das multas para mim cometeram e cometem  infrações. Todas. O motorista é, geralmente, um perigo ambulante. Ao  volante, dá-se uma mutação. O sujeito fica possuído por uma entidade do  mal e torna-se mentiroso, enganador e, em alguns casos, até perverso.
 
  O policial e o agente autorizado a multar são vistos como inimigos. Eu  sou a favor de azulzinho escondido atrás de árvore. É o único remédio  contra quem comete infração baseado no "não tem ninguém vendo". Um  motoqueiro para junto ao táxi em que me encontro, em frente ao Hospital  de Clínicas. Pergunta onde fica o HPS. O motorista explica que basta  dobrar à esquerda. Diz que é proibido. Acrescenta: "Dá uma roubadinha".  Depois, pisca para mim: "Não tem nenhum mala de azulzinho na área".  Multa neles! Sem dó nem piedade. Viva a multa!
 
 Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br
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